Toda vez que eu passava ele estava sentado no terceiro degrau da escada em frente à casa amarela que eu acho bonitinha. Para compor o cenário, aquele fusca azul velho que estava estacionado a 2 metros de distância e por coincidência combinava com a blusa branca com uma camisa jeans desbotada que o carinha da rua ao lado estava usando.

Aquela era a rua da minha rotina diária e o combo rua, fusca, você e camisa jeans já era o meu preferido. Sei que é besteira, mas hoje decidi fazer minhas unhas e pintá-las de vermelho. Não sei. Seu olhar parece que sempre se desvia pra elas, e para minhas roupas, e até para o meu cabelo. Talvez por isso que o fusca azul combina tanto com você.

Hoje antes de sair de casa passei meia hora escolhendo uma roupa que eu ainda não tinha usado. Não queria repetir meu vestido azul com estampa de coração de novo. Sabia que se eu jogasse um blazer por cima mudaria a visão do dia anterior. Mas algo me dizia que aquele cara com o olhar profundo e o sorriso maroto iria perceber.

Perdi a conta de quantas vezes deu vontade de puxar ele pela camisa, jogar dentro do fusca azul e borrar a boca dele com o meu batom novo, mas como sempre apenas olhava para o cara da rua ao lado e sorria. Sorria como se desse bom dia, e ele me retribuía como se fosse obrigação. 

Aquela obrigação gostosa. Por exemplo, aquela obrigação de toda noite. Ao encostar a cabeça no travesseiro de imaginar nossa vida daqui a 10 anos. Eu. Você. Nossa casa perfeita. Cheia de livros. Eu sentada na mesa da cozinha escrevendo meu 5º livro, acompanhada de um café bem forte e sem açúcar. Você sentado no nosso home office preparando uma palestra sobre algo relacionado a engenharia. Essa obrigação de pensar no futuro sem aproveitar o presente. Sabe como é?

Aquele cara tinha jeito de maioridade. Sim, daquelas que esperamos por 18 anos para fazer algo proibido, mas que só é legal quando era proibido e depois perde a graça. Juro que amanhã vou caprichar no rímel e vou passar o meu batom matte. Vou te encostar à parede e fazer o proibido antes que o proibido perca a graça.