Ela estava lá, com o quarto todo bagunçado. Ela olhava para aquele armário e sentia vontade e necessidade de simplesmente entrar ali dentro e se esconder do mundo. Igual ela fazia quando seus primos iam passar as férias na casa dela, eles brincavam de pique-esconde e ela escolhia o armário velho da mãe dela ficava lá por uns quinze minutos. E depois saia e ninguém nunca descobria onde ela tinha se escondido. Até hoje ela não sabe se ela queria ganhar o pique ou se ela queria esconder aquele esconderijo pra sempre onde ela corria pra lá quando sua mãe brigava com ela, quando ela caia e se arranhava e precisava chorar desesperada, quando sua irmã comia o doce de chocolate sozinha. Ali era o mundo dela e ela não iria arriscar que outras pessoas o tomasse.

O fato é que com todos aqueles pesamentos ela se dá conta que agora não pode fazer isso. Não pode correr para aquele armário e se esconder de todo mundo. O engraçado é que mesmo sozinha naquele quarto ela se sente presa as pessoas que estão ao redor dela e talvez ela precise de um espaço maior para bagunçar e arrumar todos os dias, onde ela possa sujar a cozinha inteira com o brigadeiro com flocos favorito dela e depois ter que lavar a louça suja, onde ela vai poder andar de calcinha, blusão e um coque. Ela ali deitada naquele quarto que mesmo sendo dela, ela não considera dela. Olhando para aquele armário e conferindo vários vestidos alinhados por cor. Ela é tão organizada e não entende porque que o quarto dela chegou naquele estado. Talvez seja um surto de liberdade.

Ela começa a lembrar e pensar que a maioria dos amigos dela estão todos bem encaminhados para a vida, se decidiram de uma forma tão fácil aquilo que queriam. Uma casou, outra mora sozinha, outra faz publicidade, outra arquitetura, outra passou em Matemática e ela lá escrevendo, escrevendo e querendo sumir desse mundo. Ela começa a lembrar também daquela época em que brincava de boneca e era apaixonada pelo o A na 3ª série, ela lembrou dos inúmeros chocolates que ele comprou pra ela... Mas que ela tinha que rejeitar porque a melhor amiga dela também era apaixonada por ele. E ela era boa demais para dizer o que sentia para a amiga. Acontece que ela hoje começa a perceber que ela não tinha melhor amiga, apesar de sempre andar em grupo e nunca ser excluída. Ela era a melhor amiga de todos, mas ninguém era o melhor amigo dela. E ela só podia contar com aquele caderno de capa rosa que sua mãe comprou, que tinha um minúsculo cadeado e que ela confiava cegamente que jamais ninguém iria abrir... Aliás, só ela tinha a chave e escondia debaixo da cama dentro de uma caixinha.

Refletindo sobre isso ela começa a se lembrar de semana passada que ela queria sair e não deixaram, que queria usar roupa mais curta e proibiram, que ela queria passar batom vermelho e perguntaram se ela era doida. Ela lembra que ontem esperou aquela ligação daquele carinha e ele simplesmente ligou hoje dizendo que ficou até tarde no trabalho... É... Realmente... Ela é boa demais para dizer que não acreditava. Ou talvez ela tivesse aprendido que amadurecer é terminar uma ligação com apenas um boa noite e não com tá tudo acabado porque ele não ligou no dia anterior. Ela sabe hoje que o que não é pra acontecer não acontece, e aquilo que está predestinado acontece haja o que houver. Ou será que simplesmente ela está com medo de sair do casulo e mudar de repente. Ou será que ela está com medo de entrar pela primeira vez em uma balada e sair de lá toda suada e com os pés doloridos de tanto dançar. Na verdade ela está acomodada demais, sentida demais, com TPM demais, com preguiça demais, com medo demais... Para simplesmente refazer outra vida, para simplesmente descobri outras músicas que não é da Clarice Falcão, descobri outros blogs que não é o da Bruna Vieira, descobri outro amor que não é Ele.

Ela olha para as mãos e percebe que precisa fazer as unhas, precisa se arrumar, precisa ir ao salão de beleza, precisa inventar uma nova maquiagem, precisa sair com as amigas, precisa acabar de ler aquele livro, precisa arrumar aquele quarto, precisa doar algumas roupas, precisa rasgar algumas fotos, precisa mandar mensagem, entrar no whatsaap. Mas o que ela precisava mesmo naquele momento era saber a hora. Ela olha para o relógio no criado mudo e vê 2:00 horas da manhã. Ela cantarola uma música internacional qualquer enquanto faz dois coques no cabelo. Ajeita o travesseiro e pensa: Estou cansada demais para pensar nisso agora, é melhor deixar pra amanhã.

Talvez esse seja o mal dela... Deixar tudo para amanhã!